Provence da França:
entre campos de lavanda, estradas sem placas e vilarejos que não aparecem nos
mapas, dias sem pressa nenhuma na mais marcante das regiões francesas
por Rachel Verano
Fonte: VIAGEM E TURISMO
Plantação de lavanda
em Provence, na França
Há
um ditado provençal que diz que "um caminho bonito nunca é longo".
Durante exatas seis semanas, as horas que gastei entre as curvas das
estradinhas pareceram minutos. Por todo lado, lá estavam eles, subindo e
descendo colinas, roxos e perfeitamente simétricos: infindáveis campos de
lavanda, só interrompidos por silos em ruínas, cidadezinhas medievais, mares de
girassol ou de trigo. Eu me deslumbrava, mas não estava sozinha nessa. Em 1994,
o chef fancês Alain Ducasse, recordista mundial de estrelas no Michelin (são
19), estava percorrendo as planícies da região de Alpes de Haute-Provence de
moto, sem rumo, quando decidiu nunca mais ir embora. Ele descobriu uma casa em
meio a lavandas e oliveiras e fez dela, como disse, "um porto seguro, um
refúgio". Nascia assim Le Bastide de Moustiers, uma maison de pedra aos
pés das montanhas de Moustiers Sainte-Marie, vila de apenas 700 habitantes. Le
Bastide hoje proporciona almoços sem hora para acabar com alimentos da horta e
um ótimo rosé para acompanhar. Como descobriu - e ensinou - Ducasse, na
Provence o caminho é o próprio destino.
Em
um pátio ensolarado e coberto de trepadeiras, ao qual se chega por um
caminhozinho cercado de ciprestes, o jovem Alain Gouliac, um dos muitos braços
direitos de Ducasse, serve hoje delícias simples e fescas como um couvert em
que as estrelas são... tomates. Apenas tomates cereja, pequenos, de cores e
formatos variados. Todos crocantes, doces, cultivados no quintal. Na sequência,
o menu pode incluir pratos como a salada com balsâmico e queijo de cabra, o
coelho ao molho suave de mostarda e, para encerrar, tortinha de morangos com
creme de mascarpone e pistache acompanhada de um leve sorbet. As mignardises
que escoltam o café são delicadas e têm sabor de infância: geleia de famboesa em
cubinhos, minibolos de mel, madalenas de amêndoa, suspiros com gosto de casa de
avó. Depois do almoço, a propriedade revela as surpresas escondidas até então.
Uma horta com plaquinhas de identificação escritas à mão, bancos pelo jardim,
uma piscina fechada por uma cerca de madeira onde as espreguiçadeiras são um
convite ao mais puro savoir vivre provençal. Quem quiser ter um gostinho do que
fez o chef nos anos 1990 pode cacifar um dos 12 quartos do casarão. As diárias
custam desde € 195, e os mimos incluem lareira aos pés da cama, máquina de café
expresso ou banheira desenhada por Philippe Starck.
Moustiers Sainte-Marie
A
600 metros de altitude e cercada de imensos rochedos, Moustiers Sainte-Marie
tem duas ruas principais apenas, casas de pedra com floreiras nas janelas e, lá
no alto, uma estrela dourada bem no meio de uma corrente de exatos 227 metros
de extensão ligando dois promontórios - reza a lenda que ela teria sido
colocada ali logo depois das Cruzadas. A cidadezinha é uma das portas de
entrada a uma das grandes surpresas da região, o Gorges du Verdon, o maior
cânion da Europa. Ao longo de 25 quilômetros, as águas cor de esmeralda do Rio
Verdon cortam uma garganta cercada de falésias brancas em que os paredões podem
alcançar vertiginosos 700 metros de altura antes de desaguar em uma imensa
lagoa. Se por um lado a paisagem é inesperada para a roça fancesa, os caminhos
até lá resumem os melhores estereótipos provençais: a competir com a onda
púrpura dos campos de lavanda, apenas os amarelos vivíssimos dos girassóis.
Gorges du Verdon, o maior cânion da Europa
Situada
entre as praias da Côte d’Azur e os Alpes, a Provence é menos uma província com
limites políticos e geográficos determinados do que, digamos, uma licença
poética. Não existe tal região chamada Provence, ao menos oficialmente. Definir
onde a charmosa roça fancesa começa e termina tem sido tarefa mais para
escritores e artistas que para geógrafos e barnabés. O mais próximo a que se
chega é a convenção "Paca", o acrônimo de Provence, Alpes e Côte
d’Azur, uma das 21 regiões administrativas da França (Provence-Alpes-Côte
d'Azur = Paca). Paca faz fonteira ao norte com a região de Rhône-Alpes, a oeste
com o Languedoc-Roussillon e a leste com a Itália.
Côte d’Azur
Fronteiras
à parte, a região (que poderíamos definir como o melhor da França entre as
areias da Riviera e os picos dos Alpes) tem sol e céu azul durante a maior
parte do ano. O clima abençoado faz exuberar seus vinhedos, oliveiras, as
flores que só existem por lá. A própria lavanda é uma delas. Chamada de
"ouro azul", tem até o selo AOC (de Appellation d’Origine Contrôlée),
o certificado de origem que costuma ser atribuído aos melhores queijos e vinhos
fanceses. O que se vê pelo mundo é lavendin, como os provençais chamam a
variação híbrida da lavanda real, que só eles têm. Lavanda selvagem, portanto,
apenas na Provence. E, de preferência, acima dos 800 metros de altitude. Não
muito longe do Rio Verdon, a estradinha D-8 corre entre Valensole e
Digne-les-Bains quase como um segredo mantido pelos locais. Lá, a poucos
quilômetros da única fábrica do mundo da marca de cosméticos L’Occitane, cujo
símbolo é exatamente a lavanda, estão alguns dos mais cênicos e simétricos
campos floridos da França, emoldurando diversas vilas medievais em que o tempo
ainda insiste em passar mais devagar, bem mais devagar.
Estamos
na Provence profunda, onde um carrinho como o Deux Chevaux, lançado pela
Citroën no fim da década de 1940, ainda não virou fetiche e é um utilitário
tocado por velhos fazendeiros, e onde as estações ainda são marcadas pelas
colheitas. Uma Provence que valoriza os produtos da terra, que colhe a uva e
faz o próprio vinho, que fabrica produtos do dia a dia seguindo fórmulas
seculares.
Oliveiras de Provence
A
pequenina Banon, já no outro lado da Autoestrada A-51, também ilustra bem essa
região. Naquele fim de tarde dourado no auge do verão, mais um campo de flores
roxas me levou ao centro da vila de menos de mil habitantes. Por trás de uma
rústica mesa de madeira, um camponês vendia enormes cogumelos ainda sujos de
terra em fente a uma das duas maiores atrações locais, a Le Bleuet, uma
livraria fundada por monsieur Joel Gatofassé hoje com mais de 40 mil livros. A
outra atração é um queijo que leva o nome da cidade, cremoso, feito de leite
cru de cabra e embrulhado em folhas de castanheira amarradas com fitas de
ráfia. Uma receita feita da mesma maneira desde os tempos carolíngios, ou desde
muito antes: é dito que o imperador romano Antonino Pio teria morrido no ano de
161 de tanto comer a iguaria.
Poucos
quilômetros ao sul de Banon se espalham as montanhas do Parque Natural do
Luberon, onde rebanhos de ovelhas ainda cruzam as estradas, vendedores de mel
colocam mesas na porta das casas para expor seus produtos e as feiras de rua,
com dias marcados, ainda são o maior acontecimento social da semana. Ali,
motoristas peritos conduzem a cidadezinhas como Bonnieux, Ménerbes ou Gordes,
apresentadas ao mundo pelo escritor Peter Mayle. Quem se esquecer do mapa ou do
GPS vai esbarrar em vilas ainda mais escondidas, como Lourmarin (Mayle se
refugia lá hoje em dia, depois de ver sua casa em Ménerbes invadida por
excursões nos últimos anos) e Cucuron, oito quilômetros adiante, uma vila
cercada de oliveiras e vinhedos onde mal vivem 2 mil pessoas. Olhos mais
atentos vão reconhecer, na cidadezinha, uma das mais belas locações de Um Bom
Ano, adaptação para o cinema de um dos livros de Mayle: a Place de l’Étang, com
seu pequeno lago cercado de plátanos, onde os personagens de Russell Crowe e
Marion Cotillard têm seu primeiro encontro.
Em
uma esquininha discreta da praça, com a fachada amarela desbotada e os muros
cobertos de hera, o chef Eric Sapet cuida bem da estrela do Michelin conquistada
pela sua Petite Maison, propondo uma cozinha com receitas que mudam de acordo
com as estações. No verão, os salões cheiram a figos maduros; no inverno, a
trufas negras. Uma refeição por ali é um ritual despretensioso de horas. Nos
meses mais fios, o menu pode trazer surpresas, como um filé de foie gras sobre
um creme aveludado de castanhas com chantili de noz moscada; nos mais quentes,
o grand finale pode ser um abacaxi marinado em especiarias servido com sorvete
de baunilha do Taiti e um delicado bolinho de coco. O professor Pierre Costet,
morador das redondezas, diz que são os melhores sabores que já provou no mundo.
Ele diz também que não há vinho no planeta que se compare aos brancos do
Château Simone, nos arredores de Aix, ou aos tintos de Châteauneuf-du-Pape, ao
norte de Avignon. Não fiz uma pesquisa exaustiva, mas sei que Costet fala por
seus conterrâneos. Provençal que se preze sabe ser bairrista como poucos povos
do mundo.
Sete perguntas para Peter Mayle:
Há
duas décadas, o publicitário e escritor inglês Peter Mayle se mudou para a
Provence. Desde então, dedica-se a traçar alguns dos melhores perfis da região
em best-sellers como Um Ano na Provence. Mayle falou à VT.
Que dicas o senhor daria para um turista de
primeira viagem?
Não
tente ver tudo de uma vez. Vim pela primeira vez há 20 anos e sigo descobrindo
lugares. Escolha uma base como Aix, Avignon ou Arles e tente se lembrar de que
você pode sempre voltar.
O que considera imperdível?
O
Luberon, os campos de lavandas de Haute Provence, o Mont Ventoux e a Abadia de
Sénanque, nos arredores de Gordes.
Se fosse um turista, o que o senhor nunca
faria?
Nunca
estaria com pressa. Nunca perderia o almoço.
O que o senhor aprendeu sobre a boa vida do
sul da França?
A
relaxar. A apreciar as estações. E muito sobre comida e vinho.
Depois de 20 anos, o senhor ainda se sente
um estrangeiro?
Serei
sempre um estrangeiro. E isso me ajuda como escritor, porque ainda encontro
interesse e diversão nos pequenos detalhes do cotidiano.
A Provence mudou muito desde que o senhor
chegou?
Não
creio. Há mais bons restaurantes e hotéis e vinhos muito melhores. A
excentricidade do provençal, que é o que me fascina de verdade, essa vai durar
para sempre.
Onde fica, ou vai ficar, a próxima
Provence?
Próxima
Provence? Isso nunca vai existir. A Provence é única.
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